envio aqui algumas impressões que registrei quando da estréia da peça "Anônimos", de Sidney Malveira, em cartaz hoje (27.01), no Dragão do Mar, dentro de uma comemoração de 45 anos (!) do Grupo Teatro Novo. Uau!
Um delicado contraponto ao excesso dionisíaco que contaminou a cidade
(um pouco de apolo não faz mal a ninguém, né!)
washington hemmes
(projeto cadaFalso)
BATE PAPO ANÔNIMO
Anônimo é o que não tem nome, digo, é o cujo nome se desconhece. A ignorância é anônima. O descaso é anônimo. O abandono é anônimo. Anônimo é o inominável, não pela impossibilidade do rótulo, mas pelo mistério do ato. O ato de criação é anônimo, não pelo desconhecido, mas pelo imponderável. A vida é anônima, não pela insignificância, mas pela singularidade.
Anônimos é o espetáculo teatral de Sidney Malveira, feito às pressas, num jorro, como as vidas das pessoas retratadas, anônimas, não pela vulgaridade, mas pelo instante sem escapatória. A vida vivida no limite da impossibilidade. Limites que se revelam como humanidade, como desafio. É preciso correr riscos. Riscar do palco equilíbrios e certezas. Buscar o instável, o indefinido...
Anônima é a simplicidade, não por ser simplória, mas por ser precisa. Cenas veladas por lençóis encardidos de tanta vida, tanta!, enxaguados, torcidos, enrugados e varados ao sol. Sol como luz, energia. Sol como sim à vida, mesmo na expectativa da morte. Anônima é a velhice. Não, não, nem tudo é morte e sofrimento. Há alegria na vertigem. A queda é o clímax da liberdade. Enquanto não se atinge o fundo, é sempre boa a sensação de estar caindo: o desprendimento, o vento na cara. Cair para cima é ter ar quente nos pulmões. Respiração ofegante, não por deficiência, mas por ansiedade. Ânsia de vida presente. Anônimo é o passado, não pelo esquecimento, mas pela trajetória. Trajetória de vida.
Anônima é a mimese – imitação de vida! A vida não se encontra nas novelas e programas de televisão supostamente realistas. Não, não, aquilo não é vida! É fake, embalagem sem conteúdo! Não interessa a lágrima ensaiada ávida por audiência. Importa a lágrima da audiência diante da vida ensaiada. Não fingida, mas transcriada; não falseada, mas descoberta e revelada; não caridosa, mas compartilhada.
Bravos ao Sidney e aos seus desdobramentos! Amar é sair de si e ir ao encontro do outro. Quando isso acontece, o eu se dilata e se distingue pela completude. O maior ato de amor de um artista é a sua arte. Ela não vai tirar ninguém do anonimato – ainda bem!!! – mas vai, por certo, dar nome à minúcia, ao detalhe, ao corriqueiro, ao dia-a-dia. Bravos ao Sidney por celebrar o cotidiano, esse deus crônico e inexorável, que engole o tempo e regurgita a vida.
Há tempos eu não batia um papo tão gostoso!
para o Sidney – pela delicadeza!
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